Thiago Botana – No meu primeiro campeonato de faixa roxa, uma etapa do AJP Tour em São Paulo, em meados de 2018 tive um desempenho ruim e não consegui passar da primeira luta. Decidi então que precisaria repensar estratégias e práticas dentro do esporte para alcançar melhores atuações e consequentemente brigar por lugares mais altos no pódio. Inconscientemente ali, já esboçava minhas primeiras ideias do conceito de flow no meu processo de praticante de jiu jitsu.
Nesse primeiro cenário de desordem, o primeiro possível apontado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, havia pouca reflexão sobre o impacto da minha rotina e dos movimentos intencionais necessários para, além de um bom resultado um estado de presença plena e consciente em relação ao que me levaria a alcançar esses lugares desejados. Mas a partir dessa mudança de pensamento comecei a manobrar condições externas ao meu objetivo traçado algum tempo depois. Disputar e chegar nos primeiros lugares do campeonato brasileiro da CBJJ – reconhecidamente por atletas profissionais um dos mais competitivos nas faixas coloridas do jiu jitsu brasileiro – um desafio alto para um praticante. Controlar as iniciativas individuais em relação ao objetivo foi a força que impulsionou um novo caminho, e processo, para me aproximar desse objetivo.
Essa “simples” mudança de perspectiva resume bem uma das práticas do conceito, muitas vezes – um tanto quanto abstratos – de flow, focar na qualidade da experiência acima do que essa experiência deveria ser na nossa perspectiva. Encarar o objetivo não como um resultado deslumbrante, idealizado e muitas vezes inalcançável, pois se parece mais com um sonho e sim como um lugar possível de ser alcançado através da vivência diária e constante que geram resultados reais.
Estar consciente do meu desafio, numa primeira perspectiva quase inalcançável e que me jogava diretamente para o estado de ansiedade, me fez ter a capacidade de avaliar as habilidades necessárias a serem construídas para as próximas etapas. Mudança de categoria e treinos físicos com acompanhamento de especialistas foram os gatilhos iniciais e facilitadores para ampliar minha capacidade técnica o que em poucos meses me fez mudar de posição no gráfico de flow e caminhar rapidamente para o estado de excitação, fundamentando a crença de que estava apto para alcançar realmente o objetivo que foi traçado após uma experiência negativa.
Outro ponto crucial também foi o compartilhamento e alinhamento das expectativas de todos que me acompanharam nessa jornada de alguma forma, em especial meu mestre e professor Rodrigo Tiepo, da academia Rolling, que eleva o nível de cobranças e ajustes para quem quer praticar jiu jitsu competitivo em alto nível. Assustador e até incômodo para quem observa de fora, mas para mim, nesse novo estado de consciência e intenção, uma prática incrível de melhoria a partir de feedbacks constantes, apontado por Mihaly como um dos impulsionadores para alcançarmos os momentos de flow.
Impossível não incluir nessa análise de todo processo o desafio de manter a consistência de um esporte que exige tanto fisicamente de quem o pratica. Mas inclusive esse processo se torna mais brando quando a presença do flow se torna mais constante, a rotina exaustiva de um atleta semi-profissional que divide sua rotina entre 4 horas de treinos diários com uma rotina profissional de 8h a 10h, se dilui em momentos de euforia com a percepção de alteração mental entre os 3 estados mais positivos do conceito do psicólogo húngaro: excitação, controle e flow.
Em maio de 2022 tive a oportunidade de lutar o campeonato brasileiro pela 4a vez, contra atletas – da minha faixa, categoria de peso e idade – mais bem rankeados do brasil (lutei conta o número #1, #2 e #4 nas quartas de final, semi final e final respectivamente). Fiz quatro lutas duríssimas em pouco mais de 2 horas de competição. E a única certeza que tinha era que estava pronto física e mentalmente para alcançar meu objetivo. Não como garantia de um resultado, mas com as habilidades necessárias para explorar toda minha capacidade desenvolvida ao longo desse período de mudança de pensamento.
E apesar do ótimo resultado, campeão brasileiro de 2022, a maior satisfação veio ao refletir sobre todo meu processo de desenvolvimento e o quanto isso me possibilitou praticar de forma mais eficaz, intencional e consequentemente divertida do esporte que eu amo, acredito e uso como ferramenta de desenvolvimento pessoal.
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